Breve Reflexão Sobre a Loucura - parte II
Esquizofrênico ou Xamânico?
Texto retirado de uma entrevista com Terence McKenna (1946-2000), etnobotânico e filósofo visionário. O vídeo original (legendado) se encontra no final do texto:
"Esquizofrenia é um termo geral para formas de comportamento mental que nós não entendemos".
No século XIX havia o termo melancolia, o que agora chamaríamos de depressão bipolar. Mas todas as formas de tristeza, infelicidade, maladaptação, e assim por diante, foram rotuladas de melancolia. Agora, a esquizofrenia é algo parecido.
Eu consigo me lembrar de uma experiência que tive anos atrás: eu estava na Biblioteca Tolman, na Universidade da California, que é a biblioteca de psicologia. Eu estava investigando alguma droga ou algo, então vi e tirei da prateleira um livro sobre esquizofrenia, e ele dizia: "O esquizofrênico típico vive num mundo de imaginação obscura, marginal à sua sociedade, incapaz de manter um emprego normal. Essas pessoas vivem nas margens, desprezadas por navegarem em seus próprios (auto-criados) sistemas de valores."
Eu disse: "É isso!"... "É isso! Agora eu entendo!"
Nós não temos a tradição de xamanismo. Nós não temos a tradição de se aventurar nesses mundos mentais. Nós temos pavor da loucura. Nós a tememos porque a mente ocidental é um castelo de cartas, e as pessoas que construiram este castelo sabem disso, e eles tem terror do delírio. Tim (Tomothy) Leary disse uma vez - ou eu lhe dei crédito por ter dito, mais tarde ele me falou que nunca disse... - mas seja quem for que disse, esta foi uma frase brilhante. Alguém disse uma vez: "O LSD é uma substância psicodélica que ocasionalmente causa comportamento psicótico... nas pessoas que não o tomaram!" Certo?
E eu aposto com vocês que mais pessoas demonstraram comportamentos psicóticos por não tomarem LSD, mas só de pensar nele, do que jamais foi demonstrado por tomar. Certamente na minha família, eu assisti meus pais ficarem psicóticos com o mero fato do LSD existir, eles nunca experimentariam.
Existe uma enorme fobia sobre a mente. A mente ocidental é bem enjoada quando primeiros princípios são questionados. Mais raros que cadáveres, nesta sociedade, são os delirantes não tratados, porque nós não conseguimos chegar a um acordo com isso.
O Louco - Golden Tarot de Liz Dean (2008) |
Isto nunca aconteceria numa sociedade aborígene ou tradicional.
Eu escrevi um livro - e este precisa ser o encerramento porque já passamos do tempo... - mas, eu escrevi um livro chamado "O retorno à cultura arcaica", eu o autografei esta noite para alguns de vocês. Nele, a ideia é que nós adoecemos por seguir um caminho de racionalismo sem limites, atenção machista a superfície visível das coisas, praticalidade, visão geral e vaga das coisas. Nós ficamos muito, muito doentes, e a política corporal, como em qualquer corpo, quando ele sente que está doente, ele começa a produzir anti-corpos, ou estratégias para superar a condição de doença. O Século XX é um enorme esforço de auto-cura. Fenômenos tão diversos quanto o surrealismo, piercings, uso de drogas psicodélicas, tolerância sexual, jazz, dança experimental, cultura de rave, tatuagem, a lista é interminável... O que todas essas coisas tem em comum? Elas representam vários estilos de rejeição de valores lineares. A sociedade está tentando se curar através de um retorno à cultura arcaica, por uma reversão à valores arcaicos.
Então, quando eu vejo as pessoas manifestando liberdade sexual, ou se escarificando, ou mostrando muita pele, ou dançando em ritmos sincopados, ou se embriagando, ou violando cânones religiosos de comportamento sexual, eu aplaudo tudo isso, porque é um impulso para retornar ao que é sentido pelo corpo, ao que é autêntico, ao que é arcaico. Quando você destrincha esses impulsos arcaicos, bem no centro desses impulsos está o desejo de voltar para um mundo de fortalecimento mágico do sentimento, e no centro deste impulso está o xamã, drogado, intoxicado com plantas de poder, falando com os espíritos ajudantes, dançando sob o luar, e vivificando e invocando um mundo de mistério vivo consciente.
O Mundo é isso. O Mundo não é um problema sem solução para cientistas e sociólogos, o Mundo é um mistério vivo. Nosso nascimento, nossa morte, nosso estar no presente, isso são mistérios, eles são portais se abrindo para vistas inimagináveis de auto-exploração, autorização e esperança para a empresa humana.
A nossa cultura destruiu isto, nos tirou isto, nos fez consumidores de produtos mal-feitos e ideais ainda mais mal-feitos. Nós temos que nos afastar disso, e o modo de se afastar é retornar à autêntica experiência do corpo. E isto significa nos autorizarmos sexualmente, e nos drogar, explorar a mente, como uma ferramenta para transformações pessoais e sociais.
A hora é tarde, o tempo está passando. Nós seremos julgados severamente se deixarmos a bola cair. Nós somos os herdeiros de milhões e milhões de anos, de vidas vividas com sucesso, e bem sucedidas adaptações às mudanças nas condições do mundo natural. Agora o desafio é nosso, dos vivos, para que os que estão para nascer tenham um lugar sob seus pés e um céu sobre suas cabeças.
É disso que se trata a experiência psicodélica, é se importar com a autorização e construção de um futuro que honre o passado, honre o planeta e honre o poder da imaginação humana. Não existe nada de tão poderoso, tão capaz de transformar a si e o planeta, do que a imaginação humana. Não vamos vendê-la! Não vamos nos prostituir à ideologias estúpidas! Não vamos entregar nosso controle aos de mais baixo grau entre nós! Ao invés, tome o seu lugar ao sol e vá em direção à luz. As ferramentas estão lá, o caminho é conhecido, você deve virar as costas para uma cultura que está se tornando estéril e morta e entrar no programa de um Mundo Vivo e da autorização da força da imaginação. Muito obrigado!
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Breve Reflexão Sobre a Loucura - parte III
'Healing the spirit: an aboriginal approach to mental illness in South America'
Texto escrito por mim - baseado na entrevista de McKenna - para o curso 'O Contexto Social da Saúde e Doença Mental', oferecido pela University of Toronto:
The European colonization of South America began in the 15th
century. Portugal and Spain extensively explored not only the continent's
natural resources but also the knowledge of the local communities. South America
suffered with loss of identity: the original culture was dramatically replaced
through violent conquests and forceful religious impositions. The loss of
identity was of such significance that it still reflects on the present day,
over five centuries later.
A few practices have survived, including the healing arts of
the aboriginal people. Although such practices are protected legally (as they
are declared cultural patrimony), they have a very fragile existence because the
media portraits them as inefficient and supersticious, resulting in an
marginalization of these practices among the educated population, who prefer
the healthy care systems inspired by the european models. Besides, there is a
legal battle going on over the use of substances that are considered illegal due
to its psychoactive properties. These substances are the basis for the
establishment of various spiritual traditions of indigenous peoples in a vast
region - that includes several Amazonian countries such as Brazil, Peru,
Bolivia, Colombia, Ecuador, etc. - and are crucial elements of our cultural
heritage (Labate, 2008).
However, many people still search for alternative healing
techniques in isolated parts of the Amazon to experience the traditions in its original
settings. The growing concern over the loss of our culture can be noticed with the
revival of Shamanism, which is a spiritual practice that has been around for
over 10.000 years. The term 'shaman' is originally from Siberia and was created
by anthropologists to refer to a spiritual healer. But the shaman is not only a
healer, he or she performs many different roles in the community as counselor,
psychologist, doctor, educator, priest, botanist and others; which reflects the
holistic approach of the ancient knowledge when dealing with the 'dis-ease'. The
term 'mentally ill' used by the modern medicine suggests that the distress lies
on the mental level only, while the shamanic perspective takes in consideration
that the human complex - mind, body, spirit - are interdependable. The shaman himself
can be diagnosed as mentally ill: a Shaman is someone who swims in the same
motion as a schizophrenic, but the Shaman has thousands of years of sanctioned
technique and tradition to draw upon (McKenna, 1992).
Mentally ill is how we label those that have perceptions of
reality that are different from average and have their own self-created value
systems. As they suffer with many forms of maladaptation in the society, those
considered mentally ill are locked away. In the shamanic understanding, those
people should never be excluded from the community: together with the shaman,
they learn how to develop their skills and could even become shamans. The family
is proud of the individual because he or she enjoys an influential position in
the community and has proper guidance. In the 'civilized' society, the
so-called mentally ill are forced to adjust and the power is taken away from
their hands as well as their freedom. The family is unable to deal with the
situation because they lack effective instructions and support from the
community. By the bio-psycho-social-spiritual-cultural perspective, the patient
is in a much more beneficial environment among the tribal society than among
the civilized one. Anthropologists have already observed that severe mental
illnesses are inexistent in pre-writtting civilizations which could be an
evidence that it is a cultural issue rather than biological.
There is a lot we can learn with the ancient practices when
it comes to mental illness. The magic of life lies in its mysteries and
unsolved questions: 'where do we come from?', 'where do we go after we die?', 'is
there a God?'. These are natural questions that should remain unsolved for the
sake of our own sanity. As long as it remains a cosmic secret we can rely on
the power of our imagination to speculate as a healthy philosophical exercise.
Some matters are just beyond the compreheension of the ordinary sane person - the
ancient societies knew that and wisely praised the insanes as a valuable member
of the society, whose role is to be a bridge between the physical and the spiritual
world.
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